10 de abr. de 2013

se a vida inicia aos 30, eu ainda nem nasci

ontem tava lendo uma entrevista de  Nelson Rodrigues na qual ele disse uma frase que me fez ficar divagando:
"um homem só aprende a falar bom dia pra uma mulher depois dos trinta anos."
lá fiquei eu com mas e mais mas na minha cabeça. já tendo lido bastante de suas obras, sem retirar um pingo dos is de seu talento para a dramaturgia, e conhecendo alguns homens de trinta e tantos anos, eu suspeito de que a afirmativa seja mais uma frase de efeito do que uma verdade. verdade absoluta, na verdade, creio que não é. trata-se, digamos, de uma quase verdade absoluta.

uma mulher que não seja tão exigente, o que não quer dizer que ela tenha menos de trinta anos, pode não entender de bom dias como supõe Nelson. essa sensibilidade para cumprimentos matinais (ficou poético, não?) tem mais a ver com beleza de saber escutar do receptor da mensagem do que da delicadeza do saber falar do emissor da conversa. confuso? explico.

sabe aquele ditado furado que diz: a beleza está nos olhos de quem vê? então, ele não é tão furado assim e serve direitinho ao que eu quis dizer. para uma conversa no parque dar em namoro deitado à rede sob um céu estrelado, precisamos de um bom dia bem dito e de um bom dia bem escutado. e para isso ocorrer, simultaneamente, num dia azul e feliz, precisa-se de outro 11 de setembro! é raridade.

duas pessoas vividas (o que, martelo, não tem tanto a ver com idade como Nelson afirma) para entenderem de bom dias, precisam de ausências semelhantes, ou melhor, de ausências idênticas, ou melhor ainda, de ausências contrárias. elas precisam sentir falta de algo que as una: ou porque falta também no outro, ou porque um tenha pra dar e vender, ou porque ambos se conformarão juntos de que não têm o que procuraram a vida toda e, exatamente por isso, se encontraram.

exemplificando...

é necessário que ele tenha um rádio de pilha e ela uma lamparina. é preciso que ele não saiba dançar e ela tenha dificuldades para achar uma estação que ainda toque legião. é muito importante que ele pise no pé da moça e que o moça, não encontrando a estação, cante no pé do ouvido dele. e mais importante ainda é que esse primeiro encontro não dê certo. afinal, um bom dia belo à beça de se escutar só é dado depois de muitos bom dias feios à beça dados e gagos. a experiência tem a ver com tentativas, falhas, percepção das falhas e novas tentativas, novas pessoas, novos encontros, novos lugares... um novo que, na verdade, vem de um renovar.

e isso a gente aprende com anos bem vividos, sofridos, calosos. até acho que talvez existam alguns homens de trinta anos, Nelson, que tenham trinta anos de tão péssimos dias que invalidem a afirmativa - e eu até conheço alguns!  mas me atrevo a dizer, mesmo com esses poucos anos nas costas e quase tudo ainda a aprender, que precisamos de muchas noches de chororô, para termos, nós mulheres, ouvidos aguçados para um cumprimento verdadeiro. e eles também. precisam ter chorado muitos baldes d'água. já que, é bom lembrarmos, um bom dia é, antes de qualquer coisa, um desejo de felicidade plácida que a gente só sabe dar a um homem ou a uma mulher quando a experiência de vida já nos deu noites mal dormidas, sobre a rede, sólitos, sem estrelas pra contar o quanto choramos por amor.

Um comentário:

  1. Eu sou muito mais tu que o Nelson Rodrigues, aliás, sem fui! hehehe Saudadonas bff!

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