31 de out. de 2013

o menino e seu cavalo

era domingo e eu estava no melhor lugar do mundo: na casa da dona Marlene e do seu Paulo. o dia estava lindo de morrer, feito pros amores que dão certo e para as borboletas de mil cores que pousam nos meus joelhos (eu sei, ninguém acredita que borboletas pousam em mim). aquele baita solzão de fazer sorrir até a alma quando vem o cheiro de bergamota. estou eu lagarteando e então vejo na outra esquina um menino e seu cavalo. e não sei por que tantas e tantas vezes essa imagem me vem à cabeça agora. sem qualquer palavra lhe acompanhando ou me dando um norte para que dela eu extraísse o que nela há e nela me intriga. tinha alguma coisa naquela cena, o menino de trejeito interiorano com seu cavalo, que martela pregos na minha cabeça desde aquele dia e que eu não soube e nem sei se conseguirei traduzir agora. vou tentar.

antes de dormir, tenho o hábito de fazer minha oração dum jeito meio louco mas meu que é o de visualizar Jesus caminhando ao meu lado e ao lado das pessoas que amo. e o que anda acontecendo desde domingo é que muitas das vezes em que me ponho a rezar o menino e seu cavalo aparecem no espaço do horizonte no qual converso com Deus. e eu fico tentando entender o que ao certo a vida quer me dizer com esse menino e seu cavalo, ou o que Deus quer me dizer sobre a vida de um menino e seu cavalo. e, talvez, hoje eu tenha conseguido entender um pouco desse mistério.

acho eu que ao percorrer a longa estrada dos nossos caminhos, a vida sem pressa, nos faz um convite. ela diz: Olha! e a gente, tão cheio de pressa para o final do percurso, não vê coisa alguma, ou quando vê acha que devia ver mais do que realmente há. a gente talvez tenha um certo vício de traduzir tudo, de transformar o mundo em algo que possa estar dentro duma órbita monitorada por nós. mas, talvez, a verdade daquele menino e de seu cavalo seja intraduzível, insubstituível. seja a palavra que nunca alcançará a definição de algo porque este algo simplesmente não precisa de definições. pois este algo por si só já é.

o menino e seu cavalo estavam na estrada do meu caminho, eu vi, e vi com olhos de quem vê, não de quem fantasia, não de quem cria, ou de quem a partir dali passa a descrever uma outra vida para o menino e seu cavalo. a vida me fez o convite. eu aceitei. olhei. e pronto. não há o que falar sobre porque há muito a se falar sobre.

para tentar deixar o que quero dizer um pouco menos maluco, penso que a palavra mais próxima do que sinto lembrando o menino e seu cavalo seja "humildade". a humildade perante a capacidade que eles tiveram de me colocar no lugar de quem agora sabe que, em alguns momentos da vida, as palavras devem se recolher e deixar o cotidiano ser com toda a sua força: real.


22 de out. de 2013

Acabei de almoçar com uma amiga e fui 'privilegiada' por ouvir 12 vezes no intervalo de 1 hora a mesma frase: "ah não aguento mais, tenho dedo podre pra relacionamentos", referindo-se ao fato de que, repetidas vezes, envolveu-se com o que considera "o homem errado" ou, como são mais comumente conhecidos, os tais "cafajestes".
Então cá estou eu a pensar nisso, visto que em conversas com elementos xx é uma das frases mais ditas por mulheres solteiras (e, às vezes, até por casadas).
O termo denota alguém desqualificado, vulgar, canalha, desprezível, infame. Acho até bem pesados esses sinônimos, ainda mais se levarmos em conta que, em muitos casos, nem se trata desse tipo de comportamento, mas apenas de homens que se relacionam de forma imatura, incoerente ou defendida diante do amor.
Pela milésima vez estava eu a ouvir aquelas tão bem conhecidas lamentações:"Será que o problema sou eu? Será que eu que atraio esse tipo de homem, esse tipo de relacionamento na minha vida? Ou será que sou atraída por eles?"
Penso eu que no final das contas, atrair ou ser atraída talvez seja o que menos interessa. Dá no mesmo! A consequência é sempre aquele kit de sentimentos desagradáveis -frustração, baixa autoestima, aflição, sensação de ter sido feito de boba, entre outros que certamente muitas mulheres conhecem muito bem.
O fato é que, se você atrai ou se se deixa atrair, sinaliza que sua dinâmica interna e sua energia estão fazendo gancho com a cafajestagem. Você está sintonizada com esse tipo de situação. Você e o relacionamento que inclui a cafajestada estão se nutrindo reciprocamente. 
Em geral na vida, e também no amor, tenho cada vez mais certeza de uma coisa: o que você é não passa do reflexo daquilo que você vive! Trata-se de ser, mais do que de achar, querer ou pensar. Você atrai pessoas parecidas com você, que vão de encontro as suas verdades, suas crenças, suas sentenças mais intensas e íntimas em seu corpo, sua mente e seu coração.
Mas amiga, (sei bem que tu vai ser a primeira a ler até o fim), veja bem, não queira meu mal (hehehe), não estou querendo dizer que tu é tão cafajeste quanto os homens com quem tem se relacionado. mas estou, sim, dizendo que só se relaciona com um cafajeste quem, bem lá no fundo, ainda acredita (e só tu sabe porque ainda acredita) que merece só isso! Porque quando deixar de acreditar, não há cafajeste no mundo que vai conseguir despertar teu desejo. que dirá teu coração...  


16 de out. de 2013

a gente brincava de barbie todos os dias. três horas para arrumar a casa e outras quatro brincando, todo dia.  (que pais bons eu tive, que construíram uma casa tão linda especialmente pra eu ser feliz no quintal, que sorte eu tive por ter nascido num lugar que ainda era tempo de meninas brincarem de boneca).

até que um dia, ela me ligou:
-Onde vamos montar a casa hoje?
-Não sei...eu estava pensando, pensando e... acho que não quero mais brincar.
-Como assim? Por que não?
-Porque eu me dei conta de uma coisa... Qual é o objetivo dessa brincadeira no fim das contas? Não tem um objetivo...
ela então ficou alguns segundos muda do outro lado da linha e suspirou:
-É... acho que tu tem razão e desligou o telefone.

alguns dias depois a vontade de brincar voltou e eu liguei pra ela, mas ela não quis mais.

ela nunca mais quis. eu coloquei aquela dúvida na cabeça dela e foi por causa daquela dúvida que a gente nunca mais brincou.

besteira nossa, mas a gente jamais poderia imaginar que nada nessa vida tem um objetivo muito claro.

14 de out. de 2013


apruma tuas asas. depois canta. canta o sol, o doce de leite condensado, o cheiro de livro novo. inventa os teus dias. bota neles o que tu mais gosta. energia muita. descruze os braços. bota um tiquinho de cada coisa que te faz sorrir. uma casinha branca com vista pro mar. um vaso com flores - amarelas- e uma rede na varanda. pra poder espiar as estrelas lá fora. permita que o vento bagunce teus cabelos e desgoverne teus passos. às vezes, é preciso que as coisas percam o sentido. permita que elas te toquem. fundo. então voa.

os desejos têm a força de mil asas.

7 de out. de 2013

uma moça quase partiu para abraçar um sonho que a esperava do outro lado da rua.o sonho vestia uma camisa azul da cor do céu e sorria até a nuca.

acontece que o sinal ficou vermelho e o engarrafamento do meio dia não a deixou atravessar. o farol custou a abrir novamente e a menina ficou inquieta. ela mexia tanto os pés que me deixou nervosa.

ah, mas como foi bonito ver o sinal ficar verde e a moça sair correndo para abraçar o sonho que ficou ali esperando, você precisava ver que cena mais linda.

3 de out. de 2013

eu logo tracei o perfil dele: estudioso, perfeccionista (e por isso um pouco chato), extrovertido e bastante convicto. dela eu não pude dizer muita coisa, porque ela ficou o tempo todo gastando energia tentando ser legal. preferia ter visto o rosto verdadeiro, mas não consegui.

é bem chato quando de repente o tempo passa e você se descobre completamente enganada sobre todo mundo.
as pessoas escondem-se atrás de cascas, usam máscaras e desperdiçam sua energia diária tentando ser outras coisas, mas é infalível: vem o tempo e mostra tudo.

2 de out. de 2013

asa da borboleta

ela foi assaltada, como todo mundo é aqui, como todo mundo sabe que vai ser um dia.
e, eu sei, eu amo essa cidade. poderia estar agora trabalhando lá naquela outra em que as pessoas dormem com as portas abertas, abri mão dessa chance. não tenho nem esse direito de reclamar.

mas por que com ela? sem demagogia, que fosse antes comigo. porque com ela tinha sido diferente. e foi diferente porque ela é diferente de todo mundo. ela é de verdade, não tem casca, dirige mal, tem fé, respeita os mais velhos, sabe ser feliz com a felicidade dos outros, é honesta. ela é quase de vidro. não, vidro até que é resistente, ela é feita de um material como a da asa da borboleta. você já encostou na asa de uma borboleta? ela se desmancha na mão. deixa um brilhinho nos seus dedos e desmancha. ela é isso. e quando o guri quebrou o vidro do carro dela, ameaçou-a com uma faca e ela olhou de perto aqueles olhos drogados, ela se desfez. soltou um brilhinho no banco do carro e desapareceu. é claro que o corpo dela estava ali, em pedaços, mas quem a conhece sabe que ela de fato não estava.

eu tenho tanto ódio desse guri, porque o que ele fez com aquela asa de borboleta vai ser difícil demais de reparar. ela já era medrosa, ficou mais. já morria de medo de dirigir, agora vai ter ainda mais. ela já tinha pesadelos, acordava chorando. eu não quero pensar como vão ser as noites dela agora. eu queria mesmo era zelar os seus sonhos. e se ela acordasse num susto, de repente, eu faria como ela fez comigo quando eu senti a dor do fim do meu primeiro amor. eu não conseguia dormir, chorava, chorava, chorava. não conseguia fazer mais nada. os outros me ligavam e me convidavam pra sair pra dançar.
ela não. ela entrou no meu canto, no meio da madrugada, acendeu a luz, pegou um caderno no chão, uma caneta e fez um jogo da velha. "Vai, é tua vez." depois de quatro partidas eu roncava que nem um porquinho na lama. acordei doze horas depois. e assim foi durante várias noites, até eu cicatrizar aquele amor de criança. queria agora pegar uma folha de papel, desamassá-la e jogar jogo da velha com ela, até o brilhinho da asa da borboleta voltar, até a borboleta  uma outra vez achar que o mundo é feito de flores. porque o mundo não é, o mundo na verdade muitas vezes é feio. o mundo são meninos drogados que ameaçam pessoas, e eu não quero mais falar sobre o que o mundo é, é algo que não me dá prazer algum.
mas ela, ahh, ela solta brilhinho de borboleta na vida dos que a cercam.